Hemoglobinopatías – Interpretación de la prueba de tamizaje neonatal

REVISÕES E ENSAIOS


– Interpretação do teste de triagem neonatal

 – Interpretation of neonatal screening test


Hemoglobinopatías – Interpretación de la prueba de tamizaje neonatal





Unidade de Hematologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP (ICr-HCFMUSP) e do Ambulatório de Especialidades Interlagos (AEI / ACSC)


1 Especialização em Hematologia Pediátrica. Médica Pediatra Hematologista do ICr-HCFMUSP e do AEI / ACSC.


Resumo


Objetivo: divulgar as hemoglobinas anormais detectadas pelo teste de triagem neonatal (“teste do pezinho”) e auxiliar os profissionais da saúde na interpretação destes resultados.


Conclusão : as hemoglobinopatias represen­tam um problema de saúde pública no nosso país. Desta forma, a divulgação destas doenças entre os profissionais da saúde pública e nos serviços de puericultura é fundamental. O diagnóstico e o tratamento precoces contribuem com a melhora da sobrevida e da qualidade de vida dos pacientes e, neste contexto, o aconselhamento genético é fundamental e de responsabilidade médica.


Descritores: Hemoglobinopatias. Triagem neonatal.


Abstract


Objective: To present the abnormal hemoglobins detected by neonatal spot-test, and to give support to health provider professionals in results interpre­tations.


Conclusions: hemoglobinopathies have been a major challenge to public health policies in this country. Hence, professionals working in pediatric primary care should attain knowledge about this important issue. Better life quality and survival rates improvement have been influenced by early diagnosis and treatments, in addition to genetic counseling, an important task that should be del­egated to doctors.


Keywords: Hemoglobinopathies. Neonatal screening.


Resumen


Objetivo: difundir la hemoglobina anormal en­contrado por prueba de tamizaje neonatal y ayudar a los profesionales de la salud en la interpretación de estos resultados.


Conclusión: las hemoglobinopatías plantean un problema de salud pública en nuestro país. Por lo tanto, la propagación de estas enfermedades entre los profesionales de la salud y los servicios públicos de cuidado de los niños es esencial. El diagnóstico precoz y el tratamiento contribuido a mejorar la supervivencia y la calidad de vida de los pacientes y en este contexto, el consejo genético es esencial y responsabilidad médica.


Palabras clave : Hemoglobinopatías. Tamizaje neonatal.


Introdução


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mundialmente, 270 milhões de pessoas carregam genes que determinam a 173 presença de hemoglobinas anormais e estudos realizados em populações brasileiras revelaram a possibilidade de que existam hoje no Brasil aproximadamente 10 milhões de pessoas por­tadoras de hemoglobinas anormais, e que anu­almente nasçam cerca de 3 mil pessoas com a forma homozigota1,2. Desta forma, as hemoglo­binopatias representam um problema de saúde pública em nosso país e como medida de pre­venção e controle das hemoglobinopatias no Brasil, o Ministério da Saúde instituiu a portaria 822/01, de 6 de junho de 2001, que inclui a tria­gem de hemoglobinopatias no programa nacio­nal de triagem neonatal (PNTN)1-3. Até então, o teste de triagem neonatal, mais conhecido como “teste do pezinho”, limitava-se à investigação da fenilcetonúria e do hipotireoidismo congênito, que são condições clínicas importantes mas de incidência muito menor em nosso país4.


As hemoglobinopatias resultam de mutações nos genes que codificam as cadeias globínicas alfa e beta da molécula de hemoglobina e, atual­mente, já foram descritas mais de 1200 mutações nos genes dessas cadeias. No entanto, as mais freqüentes e clinicamente significantes são as va­riantes estruturais para as hemoglobinas S e C2.


A Hemoglobina S é resultado de uma mu­tação no gene da globina beta, onde ocorre a substituição de ácido glutâmico (GAG) por ou­tro aminoácido, a valina (GTG), o que resulta numa alteração na estrutura da hemoglobina. Esta hemoglobina apresenta estabilidade e solu­bilidade diferentes e quando está na forma de­soxigenada há polimerização da sua estrutura, o que ocasiona a deformação e o enrijecimento da membrana da hemácia, denominada como falcização da hemácia1.


A hemoglobina C é resultado de uma muta­ção no gene da globina beta, onde ocorre a subs­tituição de GAG por outro aminoácido, a lisina (AAG), resultando também em uma alteração na estrutura da hemoglobina. Esta hemoglo­bina caracteriza-se por tendência aumentada à cristalização5,6.


Os indivíduos heterozigotos para estas he­moglobinas anormais, ou seja, portadores de um único gene afetado, são chamados de Traço Falci­forme (AS) e Traço C (AC) e caracterizam-se por níveis de HbS e HbC, na eletroforese de hemoglo­bina, inferiores a 50%4,7.


No Brasil, a prevalência média de heterozigo­tos AS é de 2%, valor que sobe a cerca de 6-10% entre afro-descendentes. A prevalência de hete­rozigotos AC também é significativa entre estes últimos, com valores entre 1-3%.


Os pacientes portadores de Traço S (AS) ou Traço C (AC) não são doentes portanto, habitual­mente, são assintomáticos do ponto de vista clíni­co e deverão ser seguidos por pediatras e clínicos, como qualquer outra pessoa2,4,7 . A falcização de hemácias é excepcional nos heterozigotos AS, só ocorrendo em situações de hipóxia e/ou acidose muito intensas4 .


A importância do diagnóstico é o aconselha­mento genético, pois, do casamento ao acaso des­ses tipos de heterozigotos, podem nascer pacien­tes portadores de anemias hemolíticas crônicas , muitas vezes fatais na infância4.


Os pacientes homozigotos para o gene da hemoglobina S (SS) são os portadores de Ane­mia Falciforme. Além disso, o gene da HbS pode combinar-se com outras anormalidades hereditárias das hemoglobinas, como a hemo­globina C, hemoglobina D, talassemia, entre outros, gerando combinações que também são sintomáticas e denominadas, respectivamente, Hemoglobinopatia SC, Hemoglobinopatia SD, S/talassemia7. No conjunto, todas essas formas sintomáticas do gene da HbS, em homozigo­se ou em combinação, são conhecidas como Doenças Falciformes e caracterizam-se pela presença de HbS ≥ 50% na eletroforese de he­moglobina e, apesar das peculiaridades que as distinguem e de graus variados de gravidade, todas estas doenças têm um espectro epidemio­lógico e de manifestações clínicas e hematoló­gicas superponíveis7.


As doenças falciformes (SS/ SC/ S-talassemia), caracterizadas pelo fenômeno da falcização das hemácias, são acompanhadas de fenômenos va­soclusivos, com isquemia, dor, infarto e necrose em vários órgãos4. Estas doenças têm importân­cia clínica, hematológica, bioquímica, genética e epidemiológica, devido à sua morbidade e alto índice de mortalidade1.


Quanto à Doença da hemoglobina C (CC), tem o seu quadro clínico centrado na hemólise crônica e é acompanhado de hepatoesplenomegalia 4.


Além das hemoglobinas S e C, o teste de tria­gem neonatal detecta a hemoglobina Bart’s, que somente está presente em pacientes portadores de alfa talassemia4. Os indivíduos normais apre­sentam quatro genes codificantes para as cadeias alfa da hemoglobina. Desta forma, as diferentes


formas de talassemia alfa estão relacionadas à deficiência, na maioria das vezes, devido à dele­ção de um, dois, três ou dos quatro genes alfa. Define-se portador silencioso uma forma de ta­lassemia praticamente assintomática, com altera­ções laboratoriais mínimas ou ausentes, presença de hemoglobina Bart’s (2% a 5%) ao nascimento, resultante da perda de um gene alfa . O traço ta­lassêmico corresponde à perda de dois genes alfa e caracteriza-se por anemia leve (Hb entre 11,0 e 13,0 g/dl), microcitose e presença de hemoglobi­na Bart’s (5% a 10%) ao nascimento.


A deleção de três genes alfa resulta na doença da hemoglobina H8. Os pacientes portadores des­sa forma apresentam 25% a 50% de hemoglobina Bart’s ao nascimento e 5% a 30% de hemoglobi­na H na vida adulta e necessitam de acompanha­mento com hematologista 8,9. Os quadros clínico e laboratorial são mais exuberantes e caracteri­zam-se por anemia (Hb entre 8,0 e 11,0 g/dl), mi­crocitose, hipocromia, icterícia e esplenomegalia. A deleção dos quatro genes alfa é a forma mais grave das síndromes talassêmicas e cursa com hi­dropsia fetal8.


Estima-se que, na população brasileira, a pre­valência do portador silencioso seja de 10% a 20% e a do traço alfa talassêmico de 1% a 3%, sendo que, se considerarmos os indivíduos afro-descendentes, essa freqüência pode alcançar 20% a 25%. Quanto à doença da hemoglobina H, são poucos os casos relatados em nosso país8.


Vale ressaltar que, crianças que só apresentam hemoglobina fetal, no teste de triagem neonatal, podem ser crianças normais que não apresentam ainda a hemoglobina A devido à prematuridade ou porque tem beta talassemia maior ou outra talassemia. Nestes casos, estas crianças precisam ser analisadas novamente para se esclarecer o diagnóstico9.


Com relação à Beta talassemia menor e inter­média, não são indentificadas na triagem neo­natal. Habitualmente o diagnóstico ocorre aos 6 meses, através da eletroforese de hemoglobina9.


Os indivíduos portadores das Doenças Falci­formes e outras hemoglobinopatias deverão ser seguidos regularmente em um serviço especia­lizado por toda a sua vida, com avaliações clí­nicas periódicas e internações hospitalares em situações de risco4. As anemias hereditárias têm grande impacto no crescimento e desenvolvi­mento da criança e do adolescente homozigo­tos e, como a população brasileira se caracteriza pela miscigenação racial, com distribuição ét­nica diferente nas várias regiões geográficas do país, isso torna a população brasileira única sob o ponto de vista antropológico e, conseqüente­mente, os distúrbios das hemoglobinas apresen­tam diferenciada prevalência, variando de região para região dentro do Brasil2.


O conhecimento das hemoglobinopatias pelo pediatra é fundamental, uma vez que a doença é um problema de saúde pública no nosso país e o pediatra tem importante papel no diagnóstico ao interpretar corretamente o resultado do teste de triagem neonatal1,9. (TABELA 1)


O diagnóstico e o tratamento precoces des­sas hemoglobinopatias têm proporcionado, aos profissionais que acompanham essas crianças, um melhor conhecimento sobre a doença e sua história natural, aumentando significativamente a sobrevida e a qualidade de vida dos seus porta­dores e diminuindo as suas sequelas e atenuando





Tabela 1. Interpretação do teste de triagem neonatal
Resultado
Interpretação
Quadro clínico
FA
Normal
Assintomático
FAS
Traço Falciforme
Portador assintomático
FAC
Traço C
Portador assintomático
FS *
Provável Anemia Falciforme
Anemia hemolítica
FC
Hemoglobinopatia C
Anemia hemolítica
FCA
Hemoglobinopatia C-beta talassemia
Anemia hemolítica
FSC
Hemoglobinopatia SC
Anemia hemolítica
FA Bart’s (1-5%)
Portador silencioso - alfa talassemia
Portador assintomático
FA Bart’s (5-10%)
Traço Alfa talassemia
Anemia leve
FA Bart’s (25-50%)
Doença da Hemoglobina H
Anemia hemolítica

*Muitas crianças com resultado de triagem FS são homozigotas para Anemia Falciforme, mas outros genótipos possíveis incluem HbS + talassemia e HbS + persistência de hemoglobina fetal.





as suas complicações clínicas2,4. Aos pais, propor­ciona um esclarecimento sobre a sua realidade e os cuidados a serem tomados, principalmente no primeiro ano de vida2,3. (TABELA 2)


Neste contexto, o aconselhamento genético é fundamental e de responsabilidade médica. O objetivo principal é conscientizar indivíduos e famílias sobre o problema, sem que estes sejam privados do seu direito de decisão reprodutiva4 . (FIGURAS 1 e 2)


Para que isso possa ocorrer, é importante que o profissional assuma uma postura não di­retiva e não coerciva, e tente esclarecer todas as dúvidas dos seus clientes, tanto aquelas re­ferentes aos riscos de ocorrência ou de recor­rência da prole, quanto aquelas que dizem res­peito ao diagnóstico, tratamento disponível e à sua eficiência, complicações clínicas, grau de sofrimento físico, mental e social imposto pela doença, etc2,4.


Infelizmente, muitos pediatras e clínicos bra­sileiros ainda percebem o aconselhamento genéti­co como um procedimento secundário, opcional ou de responsabilidade exclusiva do geneticista2.


No entanto, há um grande número de famílias com necessidade de aconselhamento genético es­pecializado e, infelizmente, essa infra-estrutura ainda não existe de forma homogênea. Neste sen­tido, a informação e o treinamento dos profissio­nais que já atuam nos postos de saúde e hospitais públicos é de fundamental importância4.


Conclusão


As hemoglobinopatias são alterações genéticas com alta freqüência populacional e representam um problema de saúde pública em nosso país.


Neste contexto, a importância do programa de triagem neonatal é indiscutível e a correta in­terpretação do resultado do “teste do pezinho” é fundamental para o diagnóstico e a orientação inicial do paciente.


O diagnóstico precoce e o tratamento adequa­do reduzem expressivamente a morbidade e a mortalidade.


Tabela 2. Orientações de acordo com o resultado do teste de triagem neonatal
Diagnóstico
Conduta
Traço Falciforme
Aconselhamento genético e acompanhamento pediátrico
Traço C
Aconselhamento genético e acompanhamento pediátrico
Doença Falciforme(SS / SC / S-talassemia)
Aconselhamento genético e acompanhamento especiali­zado. Iniciar profilaxia infecciosa *
Hemoglobinopatia C (CC / C-talassemia)
Aconselhamento genético e acompanhamento especializado
Alfa talassemia - portador silencioso
Aconselhamento genético e acompanhamento pediátrico
Traço de Alfa talassemia
Aconselhamento genético e acompanhamento pediátrico
Doença da Hemoglobina H
Aconselhamento genético e acompanhamento especializado
* O pediatra pode e deve iniciar a profilaxia, antes mesmo que o paciente inicie o acompanhamento com especialista. O antibiótico utilizado é a penicilina via oral, na dose de 125 mg, a cada doze horas, para os lactentes. O esquema vacinal deve compreender a imunização contra o pneumococo e o meningococo, além das vacinas do calendário obrigatório 3.





Endereço para Correspondência:


Marlene Pereira Garanito

Rua Venâncio Aires, 315, ap. 71

Pompéia – CEP 05024-030

São Paulo

e-mail: marlene.garanito@icr.usp.br



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