Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia
Julio Fernando Prieto PeresI; Manoel José Pereira SimãoII; Antonia Gladys NaselloIII
IDoutor
em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (IP-USP) e membro do Núcleo de Estudos de
Problemas Espirituais e Religiosos (NEPER)
IIMestre em Neurociências e Comportamento pela USP e membro do Neper
IIIDoutorado
pela Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, e pela USP.
Professora adjunta do Departamento de Ciências Fisiológicas da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Endereço para correspondência
RESUMO
Crenças
e práticas religiosas/espirituais constituem uma parte importante da
cultura e dos princípios utilizados para dar forma a julgamentos e
ao processamento de informações. O conhecimento e a valorização de
tais sistemas de crenças colaboram com a aderência do indivíduo à
psicoterapia e promovem melhores resultados. Contudo, nem todas as
abordagens encontraram um ajuste desse tema em suas intervenções e os
diversos conceitos sobre religiosidade/espiritualidade dificultam
essa importante interface. Neste artigo, trazemos os conceitos mais
coerentes e acessíveis para facilitar o diálogo profissional no
âmbito terapêutico. Discutimos o impacto da subjetividade, dos
estados de consciência e das percepções influenciadas pela
religiosidade/espiritualidade na saúde mental e a importância de a
psicoterapia voltar-se a clientes e respectivos sistemas de crenças,
desenvolvendo modelos que mobilizem esperança e potencializem suas
capacidades de superação. A despeito da atual distância entre estudos
controlados e práticas clínicas, discutimos a integração das
dimensões espirituais/religiosas na psicoterapia com profissionalismo
ético, conhecimento e habilidades para alinhar as informações
coletadas ao benefício do cliente. Considerando que apenas 7,3% da
população brasileira não têm religião e a escassez de abordagens e
psicoterapeutas que contemplem a religiosidade/espiritualidade,
apontamos a relevância de investigações sobre o tema e que as
propostas psicoterápicas sejam testadas em ensaios clínicos.
Palavras-chave: Espiritualidade, religiosidade, psicoterapia.
Introdução
O
interesse sobre a espiritualidade e a religiosidade sempre existiu
no curso da história humana, a despeito de diferentes épocas ou
culturas. Contudo, apenas recentemente a ciência tem demonstrado
interesse em investigar o tema. No começo dos anos de 1960, os
estudos eram dispersos e, nesse período, surgiram os primeiros
periódicos especializados, entre os quais o Journal of Religion and Health.
A partir dessa época, estudos realizados sobre espiritualidade e
religiosidade em amostras específicas (por exemplo, enfermidades
graves, depressão e transtornos ansiosos) mostraram pertinência
quanto à investigação do impacto dessas práticas na saúde mental e na
qualidade de vida (Propst, 1992; Azhar et al., 1995; Pargament, 1997; Koenig, 2001; Berry, 2002).
A
crença religiosa constitui uma parte importante da cultura, dos
princípios e dos valores utilizados pelos clientes para dar forma a
julgamentos e ao processamento de informações. A confirmação de suas
crenças e inclinações perceptivas pode fornecer ordem e compreensão
de eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis (Carone e Barone,
2001). Vários estudos demonstram que o conhecimento e a valorização
dos sistemas de crenças dos clientes colaboram com a aderência do
indivíduo à psicoterapia, assim como com melhores resultados das
intervenções (Giglio, 1993; Razali et al., 1998; Sperry e
Sharfranske, 2004). Porém, poucos estudos envolvendo religiosidade,
espiritualidade e psicoterapia foram conduzidos no Brasil. Realizamos
a revisão da literatura a partir de um levantamento de artigos
publicados até janeiro de 2007 no Medline/PubMed e no PsycINFO com os
descritores religiousness – spirituality – psychotherapy.
Escolhemos os artigos, livros e teses que consideramos pertinentes
para atender ao objetivo do presente artigo: fundamentar a análise e a
discussão dos achados de pesquisas nesse âmbito, suas implicações
clínicas, assim como apontar a relevância do tema para investigações
no Brasil.
Conceitos espiritualidade e religião
Atualmente,
observa-se na literatura psicológica ênfase crescente do tema
espiritualidade (Crossley e Salter, 2005). Um estudo recente mostrou
que os principais domínios discutidos em psicoterapia de indivíduos
americanos incluíram o trabalho, a família, os amigos e a
sexualidade. A religião e a espiritualidade foram consideradas temas
de igual importância e os clientes observaram os terapeutas abertos
para discussão desses domínios (Miovic et al., 2006). Contudo,
nem todas as abordagens encontraram um ajuste do tema em suas
intervenções terapêuticas. O método qualitativo com entrevistas
semi-estruturadas foi utilizado para investigar como psicólogos
clínicos compreendem e abordam a espiritualidade durante a
psicoterapia. Os psicólogos estudados consideraram a espiritualidade
um tema potencialmente provedor do encontro de equilíbrio e harmonia
dos clientes. Contudo, a diversidade de conceitos acerca da
espiritualidade foi observada como um aspecto crucial da dificuldade
para abordar o tema na psicoterapia. O estudo pontuou a importância de
tornar os conceitos religião e espiritualidade mais coerentes e
acessíveis, facilitando o diálogo profissional no contexto
terapêutico (Miovic et al., 2006; Crossley e Salter, 2005).
Portanto, adotamos aqui as definições de Koenig (2001), que conceitua
religião como um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e
símbolos projetados para auxiliar a proximidade do indivíduo com o
sagrado e/ou transcendente, e espiritualidade como uma busca pessoal
de respostas sobre o significado da vida e o relacionamento com o
sagrado e/ou transcendente.
Psicoterapia, suas bases e validação
As
contínuas reflexões da humanidade sobre si mesma e a vida, sobre as
emoções, o porquê da existência, do nascimento e da morte deram
origem à filosofia, reconhecido berço da psicologia. As raízes da
psicologia remontam à Grécia Antiga, quando o filósofo Aristóteles
(384-322 a.C.) produziu o escrito Acerca da alma, citado
muitas vezes como o primeiro manual de psicologia (Aristotle, 1956). O
termo psicologia, no qual reside a raiz etimológica psiché (alma) mais o sufixo logos (razão, estudo), surgiu no final do século XVI com Rodolfo Goclenio e a publicação Psychologhía, hoc est de hominis perfectione, animo et in primis ortu eius, commentationes ad disputationes. A proposta original da psicologia foi estudar e compreender o espírito – do latin spiritus
–, que significa literalmente respiração. Os limitados métodos
científicos dos séculos passados favoreceram o distanciamento da
psicologia em relação ao estudo do "não-palpável", enquanto a
medicina desenvolvia métodos para investigações do corpo (do latim corpus: parte essencial) (Finger, 1994).
Com
o objetivo de tratar, remover ou modificar sintomas de natureza
emocional e promover o crescimento e o desenvolvimento da
personalidade, surgiram, em meados do século XIX, as psicoterapias no
Ocidente. Estas variam em relação às escolas filosóficas, às
perspectivas epistemológicas e às teorias e aos métodos que utilizam
como orientação de suas intervenções práticas. A publicação do artigo
"Some implicit common factors in diverse methods of psychotherapy",
de Rosenzweig (1936), foi um marco original da discussão sobre
diferenças, similaridades e eficácia das psicoterapias. O achado
geral de pouca ou nenhuma diferença entre as principais escolas da
psicoterapia em termos de efetividade global foi previsto nesse
artigo publicado há 70 anos (Samstag, 2002, p. 58) e a discussão
deste por Goldfried (1999) trouxe novamente o tema à tona.
Atualmente, as áreas de concordância entre as abordagens
psicoterápicas continuam mais expressivas que as diferenças,
sobressaindo em especial quatro aspectos: a similaridade dos
objetivos; a relação terapeuta-cliente tem papel central nos
processos; o cliente responsabiliza-se pelas escolhas; e a promoção
da compreensão do "eu" pelo cliente (Duncan, 2002). De fato, Luborsky
et al. (2002), a partir do exame de 17 metanálises de estudos
comparativos de diversas modalidades de psicoterapias, encontraram
diferenças não significativas de resultados. Os autores reconhecem
que "resultados não significativos não indicam que os tratamentos
comparados têm os mesmos efeitos para todos os pacientes". Por outro
lado, Bohart (2000) postulou que o cliente deve ser visto como o
fator comum mais importante na psicoterapia, trazendo o conceito de
"resiliência" – capacidade de atravessar dificuldades e voltar à
qualidade satisfatória de vida – para argumentar que os clientes, e
não os terapeutas, são os curadores. Estudos anteriores sobre
resiliência concluíram que o desenvolvimento psicológico humano é
altamente polido e autocorretivo (Prochaska et al., 1992; Masten et al.,
1998). Os tipos de assistência que os terapeutas provêem consistem
de processos humanos de autocura que ocorrem naturalmente, talvez de
uma forma mais refinada e sistemática (Neno, 2005). Portanto, a
psicoterapia deve voltar-se para os clientes e respectivos sistemas de
crenças, no sentido de potencializar suas capacidades, uma vez que a
terapia funciona até onde estes aceitam participar e as condições de
aprendizagem. Além disso, é fundamental que a psicoterapia trabalhe
para desenvolver modelos colaborativos, baseados na relação, que
enfatizem a mobilização da esperança e do otimismo, o envolvimento
ativo do cliente e a ajuda para que este mobilize suas inteligências
intrínsecas para encontrar soluções (Bohart, 2000, p. 145). Nesse
sentido, é razoável postular que a religiosidade e a espiritualidade
devem ser consideradas pelos terapeutas em suas abordagens, e mesmo
estratégias psicoterápicas que valorizem tais sistemas de crenças
devem ser formuladas e investigadas quanto à eficácia do tratamento.
A
mais recente geração dos estudos sobre eficácia da psicoterapia foi
influenciada por políticas de financiamento dirigidas pelo National
Institute of Mental Health, quando o modelo médico, consolidado nos
estudos farmacológicos, passa a ser prescrito na avaliação das
psicoterapias (Goldfried e Wolfe, 1998, p. 144). As novidades
metodológicas incluíram: a) uso do DSM-IV (American Psychiatric
Association, 1994) na definição dos problemas e das medidas de
resultados; b) seleção de pacientes que se adaptem estritamente a um
diagnóstico; c) distribuição randômica dos participantes entre os
grupos; d) refinamento das diretrizes para intervenção (manuais
detalhados); e) treinamento dos terapeutas para seguimento dos
manuais; e f) criação de mecanismos de verificação da correspondência
entre desempenho de terapeutas e manuais prescritos. Seligman (1995)
também chama a atenção à importância de avaliar aspectos intitulados
como não-específicos, tais como: traços de personalidade do
terapeuta que podem sensibilizar o estabelecimento do rapport –
aliança terapêutica –, a aderência e a confiança do cliente em
relação ao profissional e ao respectivo tratamento. Assim, as
psicoterapias baseadas em evidência requerem padronização em manual e
eficácia encontrada em pelo menos dois estudos clínicos randomizados
com amostras significativas de pacientes bem caracterizados conforme
DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994) e grupos controles
criteriosamente escolhidos – lista de espera, placebo, medicamento,
outras intervenções já estabelecidas (Weissman et al., 2006).
Os conceitos de validades interna (confiança com que se pode atribuir
as mudanças observadas às manipulações do tratamento) e externa (a
evidência do quanto um tratamento funciona na prática clínica real)
foram também propostos para o estudo da eficácia das psicoterapias
(Chambless e Ollendick, 2001). Contudo, apesar de algumas abordagens
direcionadas a transtornos específicos terem validação empírica
(Chambless et al., 1998), Weissman et al. (2006)
observaram que poucas psicoterapias baseadas em evidências são
ensinadas em programas de psicologia e psiquiatria creditados pelo
governo americano. Ainda que a considerável distância entre os
estudos controlados e as práticas clínicas atuais prevaleça,
enfatizamos que as propostas psicoterápicas na área da religiosidade e
da espiritualidade, assim como em outras áreas, sejam padronizadas e
testadas em ensaios clínicos. O investimento nesse sentido está
alinhado ao atendimento ético dos indivíduos que buscam psicoterapia.
Ética, psicoterapia e religiosidade
Deve
o médico/psicólogo discutir temas espirituais com seus clientes?
Quais são os limites entre o médico/psicólogo e o cliente que
consideram temas religiosos e espirituais? Quais são os limites
profissionais entre o médico/psicólogo e o capelão/orientador
espiritual? Essas são algumas das perguntas que norteiam discussões
éticas recentes sobre o tema (Post et al., 2000). A inclusão
da categoria "problemas religiosos ou espirituais" como uma categoria
diagnóstica inserida no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994)
reconhece que os temas religiosos e espirituais podem ser o foco da
consulta e do tratamento psiquiátrico/psicológico (Lukoff et al.,
1995). Alguns educadores recomendam que os médicos perguntem
rotineiramente sobre a espiritualidade e a religião ao conduzirem a
história médica de seus pacientes (Ehman et al., 1999).
Entretanto, integrar dimensões espirituais e religiosas de vidas dos
clientes durante a psicoterapia requer profissionalismo ético, alta
qualidade de conhecimento e habilidades para alinhar as informações
coletadas sobre as crenças e valores ao benefício do processo
terapêutico. Alguns achados empíricos mostram que os clientes adotam
(são convertidos) os valores dos psicoterapeutas (especialmente
valores morais, religiosos e políticos), revelando sérios problemas
éticos, tais como: redução da liberdade do cliente, violação do
contrato terapêutico, falta de competência do terapeuta e perda da
neutralidade do terapeuta (Tjeltveit, 1986). A Associação
Psiquiátrica Americana produziu um guia que incita os terapeutas a
compreender e manter respeito empático para abordar as crenças
religiosas dos pacientes (Giglio, 1993), reforçando que o treinamento
adequado do terapeuta, a compatibilidade terapeuta-cliente, a
atenção à pessoa, e não apenas à doença, e a busca da compreensão
empática podem reduzir a ocorrência da conversão de valores e
minimizar os problemas éticos associados (Tjeltveit, 1986; Giglio,
1993; Post et al., 2000). Lomax et al. (2002) avaliaram
psicólogos que buscam integrar psicoterapia e religião ou
psicoterapia e espiritualidade, e consideram que a primeira seja
dificultosa, enquanto a integração da psicoterapia não-religiosa com
a espiritualidade é possível e confere bons resultados. Os autores
apontam que algumas observações éticas merecem atenção, tais como:
habilidade de inquirir sobre a vida religiosa e espiritual dos pacientes
é um elemento importante da competência psicoterapêutica; a
informação sobre as vidas religiosas e espirituais dos pacientes
revela freqüentemente dados extremamente importantes para superação
de suas dificuldades; o processo do inquérito sobre esse domínio deve
ser respeitoso; e há um potencial significativo para faltas éticas
quando o terapeuta exagera suas convicções pessoais abandonando o
princípio da neutralidade.
A
confiança depositada no terapeuta desempenha um papel central na
efetividade do tratamento, ou seja, clientes que estabelecem uma
relação de empatia e confiança com seus psicólogos/médicos se
beneficiam mais que outros que não a estabelecem. Tal confiança não
pode ser negada pelos profissionais, mas sim cuidada eticamente (Peres
et al., 2007a). A Associação Psiquiátrica Americana (The
American Psychiatric Association, 2006) recomenda alguns procedimentos
para psicoterapeutas ao abordarem os temas espiritualidade e
religiosidade: identificar se variáveis religiosas e espirituais são
características clínicas relevantes às queixas e aos sintomas
apresentados; pesquisar o papel da religião e da espiritualidade no
sistema de crenças; identificar se idealizações religiosas e
representações de Deus são relevantes e abordar clinicamente essa
idealização; demonstrar o uso de recursos religiosos e espirituais no
tratamento psicológico; utilizar procedimento de entrevista para
acessar o histórico e envolvimento com religião e espiritualidade;
treinar intervenções apropriadas a assuntos religiosos e espirituais e
atualizar a respeito da ética sobre temas religiosos e espirituais
na prática clínica.
Os psicoterapeutas devem estar confortáveis com clientes que levantam questões existenciais e espirituais (Shaw et al., 2005; Peres et al.,
2007a). Explorar crenças religiosas e espirituais pode ser útil no
processo psicoterápico (Sparr e Fergueson, 2000), é uma necessidade
terapêutica e um dever ético respeitar essas opiniões, devendo haver
empatia, assim como continência em relação à realidade que o cliente
traz, ainda que os terapeutas não compartilhem das mesmas crenças
religiosas (Shafranske, 1996).
Crenças, subjetividade e percepção
A
maioria das abordagens psicoterápicas articula percepção, memória e
sistemas de crenças dos indivíduos durante o processo terapêutico
(Peres et al., 2005b). A neurociência tem revelado que o mundo
percebido por cada indivíduo não é uma reflexão exata do mundo
físico e aspectos e características essenciais do mundo percebido
não estão, de fato, presentes no mundo físico (Ramachandram e
Gregory, 1991). Estudos realizados sobre percepção visual revelam
como é realmente pequeno o nível de informações que o cérebro
assimila enquanto observamos o mundo, em relação à abundância de
informações por ele fornecidas. As discussões desses achados apontam
que a riqueza da experiência individual é imensamente subjetiva. Os
comportamentos cotidianos dependem pouco do que se enxerga e muito do
trabalho de projeção treinada (Ramachandran e Gregory, 1991; Yarrow et al.,
2001). Qualidades da percepção, valências emocionais e
interpretações relativas aos eventos experimentados não têm uma
contraparte única correspondente aos eventos físicos. Isto é, a
percepção de mundo está sujeita às crenças do indivíduo e a seu
histórico de vida, afetando a sensibilidade para estímulos
específicos, os critérios de escolha e o limiar de observação
(Metzger, 1974). Além disso, experiências subjetivas alteram o
arranjo sináptico na rede neural (Kandel et al., 2000, p. 34) e
os perceptos constituídos por experiências objetivas e subjetivas
podem determinar o estímulo ao qual o indivíduo vai reagir (Metzger,
1974). Um exemplo do importante impacto da subjetividade no
sofrimento psicológico é demonstrado no estudo de Creamer et al.
(2005). Conforme os critérios do DSM-IV, a definição de transtorno
de estresse pós-traumático (TEPT) inclui componentes objetivos (A1) e
subjetivos (A2) (American Psychiatric Association, 1994). Os autores
estudaram a prevalência do critério A2 e sua associação com memórias
traumáticas e a psicopatologia seguida a eventos traumáticos em
6.104 adultos. A maioria dos indivíduos (76%) preencheu o critério
A2, com maior prevalência em mulheres (81%) que em homens (69%).
Apenas 3% dos indivíduos que não preencheram o critério A2
apresentaram memórias traumáticas persistentes. Os autores sugerem
que o processamento subjetivo que envolve as memórias traumáticas
pode ser o mediador decisivo da psicopatologia seguida ao trauma. O
estudo reforça a importância de o tratamento psicoterápico abranger
os diálogos internos subjetivos e respectivos sistemas de crenças
(Peres et al., 2005a).
Outros
achados da neurociência sugerem que o imaginário tenha um valor
neurofisiológico parecido com o que desempenhamos em comportamentos
objetivos (Williamson et al., 2001). Entre outros estudos, Kraemer et al.
(2005) revelaram que a condição imaginária de audição e visualização
obedeceu a reciprocidades neurais similares à condição real de ouvir
e visualizar os mesmos eventos. Técnicas de visualização ativa
têm sido empregadas em psicoterapias com resultados satisfatórios,
ainda que o tratamento não seja eficiente para todos os pacientes
(Menzies e Taylor, 2004). Em proveito da natureza subjetiva da
percepção humana, a habilidade de reconstrução emocional e
reinterpretação a eventos dolorosos pode ser também utilizada com
eficácia na psicoterapia (Peres et al., 2005b). Desenhos
experimentais poderão testar se a religiosidade e a espiritualidade
podem compor um enquadre cognitivo – imaginário – provedor de amparo
para superação de dificuldades psicológicas.
Religião, saúde e bem-estar espiritual
Alguns
pesquisadores propuseram que a religião originou-se como uma maneira
de tratar a morte (Malinowski, 1954). As primeiras discussões sobre
religião no âmbito da psicologia foram trazidas por Freud, que a
considerou como remédio ilusório contra o desamparo. A crença na vida
após a morte estaria embasada no medo da morte, análogo ao medo da
castração, e a situação à qual o ego estaria reagindo é a de ser
abandonado (Freud, 1980, p. 153). Atualmente, a experiência religiosa
deixou de ser considerada fonte de patologia e, em certas
circunstâncias, passou a ser reconhecida como provedora do
re-equilíbrio e saúde da personalidade (Levin, 1996; Koenig, 2001).
As teorias sociológicas atuais vêem a crença na vida após a morte
como um componente central de muitos sistemas religiosos, fornecendo
significado à vida atual com a continuidade na seguinte (Stark e
Bainbridge, 1996). De fato, a existência da vida depois da morte é
uma crença presente na maioria das religiões mais abrangentes
(Obayashi, 1992). Considerando os dados demográficos sobre religião,
mais de três quartos dos americanos acreditam na vida após a morte
(Greeley e Hout, 1999; Klenow e Bolin, 1989-1990) e aproximadamente 92%
dos brasileiros apresentam a mesma crença, uma vez que apenas 7,3% da
população não tem religião (IBGE, 2000). Apesar de tal crença ser
difundida, pouca pesquisa sobre esse tópico tem aparecido na literatura
psicológica e psiquiátrica (Exline, 2002), e a maioria das pesquisas
existentes examinou os efeitos da crença na vida após a morte em
relação ao medo da morte (Alvarado et al., 1995; Templer,
1972; Templer e Dotson, 1970). Alguns estudos não conclusivos sugerem
indícios da continuidade da vida após a morte (Stevenson, 1983;
Stevenson e Samararatne, 1988; van Lommel et al., 2001), e ainda
que a pergunta permaneça não respondida pela ciência, a crença na
vida após a morte de uma amostra nacional de 1.403 americanos esteve
relacionada com menor severidade de seis conjuntos de sintomas
(ansiedade, depressão, compulsão, paranóia, fobia e somatização). O
estudo mostrou que tal crença também influencia positivamente a
qualidade de vida (Flannelly et al., 2006).
O
bem-estar espiritual é uma dimensão do estado de saúde, junto às
dimensões corporais, psíquicas e sociais (World Health Organization,
1998). Por considerar as experiências místicas e meditativas como
processos mensuráveis e quantificáveis, com base nas evidências
acumuladas na literatura e na prática médica, a Organização Mundial
da Saúde, por meio do grupo de Qualidade de Vida, incluiu em seu
instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida o domínio
Religiosidade, Espiritualidade e Crenças Pessoais com 100 itens. Esse
instrumento colaborou com outros estudos que identificaram
correlações importantes ao conhecimento dos profissionais da saúde.
Myers (2000) investigou a relação entre o estado de felicidade e a
prática religiosa em 34 mil participantes e evidenciou uma correlação
positiva entre essas variáveis. Mueller et al. (2001) revisou
estudos publicados e metanálises que examinavam a associação entre
envolvimento religioso/espiritualidade e saúde física, mental e
qualidade de vida. A maioria dos estudos mostrou que envolvimento
religioso e espiritualidade estão associados com melhores índices de
saúde, incluindo maior longevidade, habilidades de manejo e qualidade
de vida, assim como menor ansiedade, depressão e suicídio. Uma
metanálise recente de 49 estudos que envolveu o total de 13.512
sujeitos investigou a associação entre o manejo religioso e o ajuste
psicológico (Ano e Vasconcelles, 2005). O manejo religioso positivo
teve uma relação positiva moderada (r = 0,33) com ajuste psicológico
positivo e uma correlação inversa modesta (r = – 0,12) com ajuste
psicológico negativo, enquanto o manejo religioso negativo mostrou
correlação positiva (r = 0,22) com ajuste psicológico negativo. A
maioria dos estudos que investigou a relação entre a
religiosidade/espiritualidade e a saúde mental revelou que níveis
mais elevados da participação religiosa estão associados com maior
bem-estar e saúde mental (Moreira-Almeida et al., 2006).
Trauma, desamparo e esperança
Desamparo
é uma palavra usada freqüentemente pelos indivíduos traumatizados
com TEPT quando procuram expressar seus estados emocionais (Scher e
Resick, 2005). Estudos sugerem que o aumento da esperança e a
diminuição do desespero e do desamparo podem ser fatores importantes
para uma melhor saúde e longevidade (Kubzansky et al., 2001,
pp. 913-914). Quando as pessoas se traumatizam, freqüentemente
procuram novos sentidos e significados em suas vidas (Peres et al.,
2007a). Um fator decisivo ao desenvolvimento de uma resposta
resiliente relaciona-se com a maneira que os indivíduos percebem e
processam a experiência (Peres e Nasello, 2005). As pessoas que
desenvolvem interpretações de como lidar e tentar modificar
positivamente o presente podem superar traumas mais facilmente
(Bonanno, 2004). As crenças e as práticas espirituais e religiosas
baseiam-se fortemente em buscas pessoais para compreender o significado
da vida, o relacionamento com o sagrado e o transcendente
(Moreira-Almeida e Koenig, 2006). As práticas religiosas podem ter
influência importante em como as pessoas interpretam eventos
traumáticos e lidam com eles, promovendo percepções resilientes e
comportamentos como a aprendizagem positiva da experiência, o amparo
para superação da dor psicológica e a auto-confiança em lidar com as
adversidades. Um estudo que avaliou as possíveis correlações entre
religião e trauma psicológico envolveu 1.385 veteranos de guerra com
TEPT em tratamento. As experiências de testemunhar e não conseguir
impedir as mortes de soldados companheiros enfraqueceram a fé
religiosa, observada como um preditor significativo de uso mais
extensivo dos serviços de saúde mental. Curiosamente, a severidade de
sintomas do TEPT e as dificuldades no relacionamento interpessoal
não foram preditores do uso continuado dos mesmos serviços, tais como
a fé enfraquecida. Os autores levantaram a possibilidade de que a
motivação preliminar dos veteranos para procurar tratamento
continuamente pode ser a busca de significados e finalidades de suas
experiências traumáticas. Isto sugere que abordar a espiritualidade
pode ser mais central ao tratamento do TEPT do que se tem pensado
(Fontana e Rosenheck, 2004). Em outra revisão de 11 estudos empíricos
sobre as associações entre religião, espiritualidade e traumas
psicológicos, Shaw et al. (2005) mostraram três achados
principais: a religião e a espiritualidade são geralmente, embora não
sempre, benéficas ao tratamento pós-trauma; as experiências
traumáticas podem conduzir ao aprofundamento da religiosidade ou da
espiritualidade; e o manejo religioso positivo, a abertura religiosa,
a prontidão para enfrentar perguntas existenciais e a religiosidade
intrínseca estiveram associados com a superação psicológica
pós-trauma. Pargament et al. (2004) propõem que o manejo
religioso pode ter algo especial a oferecer: "Pode equipar
excepcionalmente indivíduos para responderem às situações em que se
vêem face a face com os limites do poder e do controle humanos quando
confrontados com suas vulnerabilidades". Os autores ainda referem
que as crenças e as práticas religiosas podem reduzir a perda de
controle e o desamparo, fornecendo uma estrutura cognitiva que possa
diminuir o sofrer e desenvolver a finalidade e significado em face ao
trauma.
São múltiplos
e, às vezes, inesperados os caminhos à resiliência (Bonanno, 2004).
Uma vez que o desamparo é um fator de risco ao TEPT, assim como a
vulnerabilidade e a desesperança elevadas (Scher e Resick, 2005), é
possível que o sentido de amparo, suporte e esperança possam, além de
ajudar a recuperação, proteger os indivíduos expostos aos eventos
traumáticos (Peres et al., 2007a). Suportando essa hipótese,
alguns estudos revelaram que a religiosidade pode ter efeito preventivo
dos transtornos mentais e funcionar como um fator positivo para o
manejo de situações estressoras (Grzymala-Mosczynka e Beit-Hallahmi,
1996; Mallony e Spilka, 1991; Martins, 2000).
Neuroimagem da religiosidade e estados alterados de consciência
James
(1890) foi um dos primeiros psicólogos que chamou a atenção sobre os
outros estados de consciência diferentes do estado de vigília.
Metzner (1995) define estado alterado de consciência (EAC) como uma
mudança temporária no pensamento, no sentimento e na percepção, em
relação ao estado de consciência ordinário, e que tem início, duração
e fim. Para Weil (1995), a percepção da realidade se dá em função
do estado de consciência do indivíduo. Estados alterados de
consciência induzidos pela prece e meditação têm sido estudados com
métodos de neuroimagem funcional. Especialistas em meditação
submetidos a estímulos dolorosos durante a prática meditativa
revelaram que não vivenciaram a dor tal como em estado de vigília.
Durante o EAC, observou-se predominância de freqüência alfa com picos
máximos de 10 Hz nos lobos occipital, parietal e nas regiões
temporais, sugerindo estado de relaxamento profundo sem
caracterização do sono. Convergindo com achados anteriores sobre a
representação da percepção sensorial/emocional da dor (Rainville et al.,
2002), o estado meditativo revelou significativa diminuição da
atividade no tálamo, no córtex somatossensorial secundário, na ínsula
e no córtex cingulado quando comparado com o estado não meditativo.
Uma vez que a dor é uma experiência sensorial e emocional complexa,
esse, entre outros estudos com métodos eletrofisiológicos e de
neuroimagem, esclareceu que estados alterados de consciência podem
gerar mudanças na atividade dos circuitos relacionados à percepção da
dor (Kakigi et al., 2005; Rainville et al., 2002).
Mudanças no fluxo sangüíneo cerebral foram também observadas durante
as preces (verbais repetitivas) de freiras franciscanas. Em
comparação à linha de base, o EAC decorrente das preces mostrou
atividade aumentada no córtex pré-frontal, nos lobos parietais
inferiores e frontais (Newberg et al., 2003). Achados similares foram observados por Azari et al.
(2001), que estudaram as reciprocidades neurais da experiência
religiosa investigada como um fenômeno de atribuição cognitiva.
Durante a recitação religiosa, observou-se aumento da atividade do
circuito frontoparietal, composto dos córtex parietal frontal e
medial pré-frontal e dorsolateral. Estudos prévios indicam que essas
áreas são subjacentes à sustentação reflexiva do pensamento e os
autores discutem que a experiência religiosa pode ser um processo
cognitivo e não apenas uma vivência emocional imediata. Lans (1996)
confirmou que a religiosidade pode ser uma fonte rica para encontrar
propósitos de vida, assim como para formular orientações cognitivas
para avaliações e geração de comportamentos diante de situações
vitais ou traumáticas. A evocação espontânea ou voluntária de
memórias traumáticas ocorre em EAC com expressiva manifestação
sensorial e emocional (Peres et al., 2005b). Indivíduos
traumatizados submetidos a terapia de exposição e reestruturação
cognitiva construíram narrativas resilientes, com novos significados e
atribuições ao evento traumático, e atenuaram as respostas
emocionais mediadas pela maior atividade do córtex pré-frontal, do
hipocampo esquerdo e parietais nos exames de neuroimagem
pós-psicoterapia (Peres et al., 2007b).
Tart
(1990) e Metzner (1995) estudaram os EACs e seu uso em psicoterapia,
revelando que as experiências durante tais estados podem influenciar
mudanças de comportamento. Diversos autores demonstram que a
utilização do EAC para a percepção de imagens mentais pode ser uma
ferramenta efetiva na formação de novos padrões de pensamento,
sentimento e comportamento (Kasprow e Scotton, 1999). Diferentes
estados de consciência podem promover novas percepções a respeito de
um mesmo fenômeno e, conseqüentemente, novos estados emocionais
favoráveis a superação de dificuldades e sofrimentos no âmbito
psicológico (Dietrich, 2003). Teoricamente, práticas
religiosas/espirituais subjetivas, como preces, contemplações e
meditações, podem alterar o estado de consciência, influenciando a
mudança da percepção de um evento que desencadeie sofrimento. Mesmo
que a hipnose seja conhecida por promover EAC com objetivos terapêuticos
(Eslinger, 2000), o estudo e a aplicação dos EACs talvez possam
ser um dos caminhos para a integração da espiritualidade e da
religiosidade à psicoterapia, visando ao atendimento das pessoas que
valorizam, em seus sistemas de crença, essa instância subjetiva. Como
exemplo, a psicoterapia transpessoal aborda tópicos como a importância
da espiritualidade para reconquista da saúde e do bem-estar do
cliente, assim como a utilização dos EACs para promoção de
relaxamentos e visualizações com impacto terapêutico (Walach et al., 2005).
Psicoterapia, religiosidade e espiritualidade
O
interesse no estudo do papel da religiosidade, espiritualidade e
práticas psicoterapêuticas em saúde se dá por diferentes razões
socioeconômicas e clínicas. Por exemplo, em culturas industrializadas
como a americana, 96% da população acredita em Deus ou em um
espírito universal, 75% reza regularmente, 42% freqüenta serviços
religiosos regularmente, 67% é membro de algum corpo religioso local,
67% afirma que a religião é muito importante em suas vidas e 63%
acredita que seus médicos deveriam falar com seus pacientes sobre sua
fé espiritual (Gallup, 1995). Além disso, observam-se grande consumo
de literatura "espiritual" e crescente expansão na busca do sagrado e
temas afins. Assim, iniciativas que convergem a religiosidade e a
espiritualidade à psicoterapia têm avançado nos últimos 25 anos. Como
exemplo, a psicoterapia religiosa procura reconhecer e utilizar as
crenças religiosas dos clientes em seus tratamentos para reduzir
sintomas e dificuldades do âmbito da saúde mental (Berry, 2002).
Emmons e Paloutzian (2003) revisaram o desenvolvimento empírico e
conceitual dessa abordagem com ênfase nos fundamentos cognitivos e
afetivos da experiência religiosa dentro da psicologia social e da
personalidade e observaram que as bases desse desenvolvimento
devem-se ao fato de a religião e a espiritualidade serem processos
importantes da experiência humana. Porém, ainda que a espiritualidade
e a religiosidade sejam importantes e, às vezes, fundamentais à vida
humana, Schultz-Ross e Gutheil (1997) discutem que a dificuldade de
integrar esse tema à psicoterapia reside em alguns fatores, tais
como: a orientação tradicional de escolas psicoterápicas de que a
espiritualidade está fora da esfera da investigação e de
conhecimento, a ausência de programas de supervisão e treinamento e o
desconforto com os temas espirituais e religiosos por parte dos
educadores e profissionais. Contudo, a despeito da abordagem
psicoterápica empregada, as pessoas que professam uma fé
beneficiam-se dos resultados na psicoterapia (Muller, 2004).
A
prática do aconselhamento pastoral, embora não incorporada às
atividades dos profissionais de saúde, vem atraindo um crescente
interesse por parte dos psicólogos (Young e Griffth, 1989). Estudos
confirmam que o aconselhamento pastoral ou religioso pode resultar
altos escores de bem-estar, reabilitação e redução do impacto de
eventos estressores (LeFavi e Wessels, 2003; Josephson, 2004). Um
estudo avaliou o papel do apoio social e psicológico que líderes
religiosos oferecem a seus fiéis e mostrou que tal apoio a pessoas
motivadas em recebê-lo foi efetivo para o bem-estar pessoal, a
resolução de conflitos e a redução de sintomas (Poon et al., 2003).
Propst et al.
(1992) investigaram a abordagem cognitivo-comportamental padrão e a
cognitivo-comportamental religiosa aplicadas a pacientes com
depressão por terapeutas religiosos e não-religiosos e compararam as
respectivas intervenções com grupo controle em lista de espera. A
melhora dos indivíduos submetidos à psicoterapia foi observada
igualmente nas condições terapêuticas utilizadas e os terapeutas
não-religiosos obtiveram resultados superiores aos terapeutas
religiosos enquanto aplicavam abordagem cognitivo- comportamental
religiosa. Uma metanálise de cinco estudos que comparou a eficácia de
abordagens de aconselhamento-padrão e abordagens de aconselhamento
adaptadas à religião também não encontrou prova de superioridade de
uma abordagem em relação à outra. Os achados sugerem que a
possibilidade de usar uma abordagem religiosa com clientes religiosos é
provavelmente mais uma questão da preferência do cliente que uma
questão de eficácia diferencial (McCullough, 1999). A despeito de a
psicoterapia religiosa ser tão eficaz quanto o tratamento-padrão
(Berry, 2002), a psicoterapia com orientação religiosa em grupos
étnicos com fortes características culturais religiosas mostrou
melhora mais rápida inicial em três meses comparada à psicoterapia
sem orientação religiosa (Azhar e Varma, 1995). Convergindo com esses
achados, em estudo com pacientes ansiosos e depressivos, Razali et al.
(1998) observaram que aqueles submetidos à psicoterapia sociocultural
e religiosa melhoraram dos sintomas mais rapidamente nas primeiras
semanas que o grupo controle com tratamento-padrão. Porém, os
resultados não se diferenciaram aos seis meses. Os autores destacam a
importância de a psicoterapia religiosa precipitar a redução dos
sintomas nos primeiros meses de tratamento. A terapia
cognitivo-comportamental adaptada para abordar a espiritualidade (spiritually augmented cognitive behavioural therapy)
mostrou que o uso da meditação promoveu benefícios significativos
no tratamento da desesperança e do desespero (DSouza e Rodrigo, 2004).
Uma revisão dos artigos sobre a eficácia da terapia
cognitivo-espiritual modificada (spiritually modified cognitive therapy)
aponta, segundo critérios da Associação Psiquiátrica Americana, que
essa modalidade tem validade empírica apenas no tratamento da
depressão (Hodge, 2006). Propostas de terapias de grupo e terapia
familiar que inserem temas espirituais e religiosos também têm sido
pesquisadas (Jacques, 1998; Patterson et al., 2000), assim
como programas de intervenções psicoeducacionais semi-estruturados em
que o paciente discute sobre recursos religiosos, espiritualidade,
perdão e esperança (Phillips et al., 2002). A maioria dos
grupos considerou que uma vida espiritual é relevante para a compreensão
dos problemas pessoais e preferiu um terapeuta que se sentisse
confortável em discutir esses tópicos.
Perspectiva de novas diretrizes e investigações
As
religiões advogam, em geral, o perdão e a absolvição, freqüentemente
úteis na resolução de conflitos. Os efeitos negativos da religião
estão no exercício para manter a conformidade e a promoção de um
controle externo. Por outro lado, os profissionais de saúde mental
trabalham com o autodesenvolvimento livre e sensibilizam seus
clientes quanto à competência necessária para mudar e dirigir as
próprias vidas (Carone e Barone, 2001).
Neste
artigo, observamos que vários estudos internacionais contemplaram o
tema espiritualidade/religiosidade e psicoterapia, demonstrando
pertinência dessa interface com bons resultados terapêuticos. O
Brasil possui um potencial religioso sincrético expressivo e alta
prevalência de praticantes de religiosidade/espiritualidade – apenas
7,3% não têm religião (IBGE, 2000). Dada a escassez de abordagens e
psicoterapeutas brasileiros que contemplem esses indivíduos e seus
respectivos sistemas de crenças, consideramos que abordagens
coerentes e ensaios clínicos randomizados devem ser elaborados e
conduzidos endereçando as necessidades de grande parte da população.
Faz-se
necessário o reconhecimento da espiritualidade como componente
essencial da personalidade e da saúde por parte dos profissionais;
esclarecer os conceitos de religiosidade e espiritualidade com os
profissionais; incluir a espiritualidade como recurso de saúde na
formação dos novos profissionais; adaptar e validar escalas de
espiritualidade/religiosidade à realidade brasileira e treinamento
específico para a área clínica. Esforços para acrescentar ao
currículo das escolas médicas e psicológicas a discussão da religião e
espiritualidade estão em andamento (Graves et al., 2002). A
discussão com os alunos sobre as diferenças de conceitos, as
pesquisas sobre o tema, a compreensão dos processos saudáveis e
nocivos do uso de práticas religiosas e espirituais contribuem para
melhor qualidade de atendimento às necessidades dos clientes,
diminuindo preconceito, informando e formando melhores profissionais. De
maneira similar à exploração de toda a dimensão pessoal da
experiência humana, a integração das dimensões espirituais e
religiosas dos clientes em seus tratamentos requer profissionalismo
ético, alta qualidade de conhecimento e habilidades para alinhar as
informações coletadas sobre as crenças e valores à eficácia
terapêutica.
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Endereço para correspondência:
Julio Fernando Prieto Peres
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